Em 2010, a Lei nº 12.305 instituiu a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) com o objetivo de realizar o manejo adequado de rejeitos. Entre as determinações do plano está a da logística reversa, que prevê que, após passar pelo consumidor final, artigos como embalagens, lâmpadas ou medicamentos voltem às suas origens (fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes) para reaproveitamento ou para outra destinação final ambientalmente adequada. Porém, uma crítica de quem está acompanhando de perto essa política é a demora quanto a sua implantação.
O coordenador-geral da 4ª edição do Seminário de Gestão Sustentável de Resíduos Sólidos: Cidade Bem Tratada, Beto Moesch, destaca que a intenção do evento, realizado em Porto Alegre, foi justamente não deixar “morrer” uma lei tão importante. “O que vemos é que os importadores, os fabricantes, os comerciantes, o poder público e os consumidores, de uma forma geral, não estão priorizando esse assunto”, salienta Moesch, que também é consultor e professor de Direito Ambiental.
Ex-titular da Secretaria do Meio Ambiente (Smam) da capital gaúcha, Moesch alerta que, se não for feita uma boa gestão dos resíduos, vão aumentar as ocorrências de doenças como a dengue. Além disso, Moesch ressalta que o Brasil deixa de gerar por ano R$ 8 bilhões por não reciclar e reaproveitar corretamente os seus resíduos. O consultor sugere que o poder público poderia exigir em suas licitações a não geração ou o reaproveitamento dos rejeitos, contudo essa prática é pouco adotada.
“A política nacional de resíduos levou 21 anos no Congresso, e agora vamos deixá-la na prateleira?”, indaga. Moesch lamenta que vários municípios e geradores de resíduos estão tentando adiar a aplicação da lei, principalmente, no que tange ao fim dos lixões (a norma indica para essa meta o prazo de agosto do ano passado). O consultor ressalta que, desde 1981, com a política nacional do meio ambiente, os lixões são proibidos. “Portanto, não é a partir de agora que ficou proibido o lixão, a sociedade tem que saber que não é verdade”, afirma Moesch.
“Na verdade, o prazo (para o fim dos lixões) extinguiu-se há muito tempo, muito antes da política nacional de resíduos, já era proibido ter lixões, por resoluções do Conama e da legislação ambiental”, complementa a gerente de projetos da Associação Técnica Brasileira das Indústrias Automáticas de Vidro (Abividro), Ana Paula Bernardes. Para a dirigente, não se deve prorrogar o tempo limite dentro da política de resíduos, o que deve ser feito são acordos para o cumprimento da lei. Ana Paula admite que os municípios brasileiros estão sobrecarregados financeiramente e não têm condições de assumirem sozinhos as despesas que serão geradas com a implantação da política nacional de resíduos sólidos.
Particularmente, quanto ao segmento de vidro, Ana Paula informa que existe o acordo de embalagens em geral, que se encontra em discussão, e que abrangeria a área. Entretanto, assim como o setor de aço, o de vidro está aguardando a finalização da negociação desse acordo setorial para decidir o que será feito, se será assinado um termo de compromisso ou apresentado um modelo próprio.
A presidente da Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam) e secretária estadual do Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável, Ana Pellini, concorda que a implantação da política nacional de resíduos sólidos não está seguindo no ritmo que o País merece. “Temos que acelerar esse andamento, especialmente nas coisas simples, como é o caso da coleta seletiva, central de triagem e compostagem”, defende a dirigente. Segundo Ana Pellini, essa iniciativa cabe muito ao poder público, através de políticas indutoras, educação ambiental, estimulo às prefeituras, entre outras ações.
Consumidor deverá arcar com gastos do processo reverso
Para não pagar o preço dos impactos ambientais, o consumidor terá que tirar do seu bolso o dinheiro para arcar com os gastos da logísticas reversa. A perspectiva é de que cada um se torne mais diretamente responsável pela forma de comprar produtos e descartá-los. A presidente da Fepam e secretária do Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável, Ana Pellini, ilustra que a proposta é de que quem não toma um determinado refrigerante, por exemplo, não deve pagar, no imposto, a coleta desse produto.
O justo é que o custo de recolhimento esteja embutido no artigo e se onere o consumidor em vez do cidadão. Ana acredita que, dentro de uns cinco anos, é possível se avançar nesse sentido. Sobre o custo extra da logística reversa, o consultor e professor de direito ambiental Beto Moesch argumenta que “não existe milagre, não tem almoço grátis, e isso o mercado terá que resolver”. Ele questiona se a pessoa que não tem carro ou computador tem que dividir o ônus financeiro do descarte desses produtos. Porém, o consultor adianta que deverão ser cobrados valores mínimos.
A gerente de projetos da Abividro, Ana Paula Bernardes, indica como principal dificuldade para implementar a política nacional de resíduos a questão econômica do modelo ou, resumidamente, saber “quem paga a conta”. A dirigente acrescenta que é preciso detalhar a responsabilidade individualizada de cada ente que faz parte da cadeia. Ana Paula enfatiza que, se for analisada a legislação ambiental, as regras tratam da prevenção do dano. “Não é um negócio, e hoje toda a cadeia da logística reversa transformou como se fosse um negócio, como se o lixo fosse uma coisa rentável, e ele não é”, argumenta.
A gerente de projetos da Abividro adianta que a conta somente fecha para alguns artigos cuja matéria-prima básica é muito cara, como para o segmento de alumínio. “No caso do vidro, isso não acontece, pois é feito de areia, que é um material extremamente barato, então não adianta a gente imaginar que vamos fechar o ciclo da logística reversa pelo preço do material”, ressalta. Para Ana Paula, não existe outra forma a não ser criar um mercado regulado, cujo objetivo não é o lucro, mas sim resolver um problema ambiental, que é o resíduo. Ela frisa que não existe logística reversa sem coleta seletiva.
Ana Paula reforça que a logística reversa vai impactar no bolso do consumidor final. “Não tem jeito, se entra um custo, vai ter que sair de algum lugar.” Ela defende ainda que o consumidor precisa entender que é parte do processo. “Hoje, o que está acontecendo é que o cidadão está sendo responsabilizado e, com isso, você divide a conta por igual entre quem consome conscientemente e quem não é tão cuidadoso”, argumenta.
No caso do vidro, a logística reversa deve elevar em cerca de 4% o preço final do produto. Ana Paula antecipa que isso deverá gerar reclamações. “Eu acho que o consumidor tem que se sentir responsável pelas ações e pela intervenção dele na cadeia”, sustenta a gerente da Abividro.
Cada gaúcho gera mais de 300 quilos de lixo domiciliar por ano
Para encontrar a solução de um problema, primeiro é preciso saber o tamanho do obstáculo a ser superado. No caso dos rejeitos produzidos nos lares do Rio Grande do Sul, a façanha é desafiadora. O coordenador comercial da Companhia Riograndense de Valorização de Resíduos (CRVR), Leomyr de Castro Girondi, informa que cada gaúcho gera 305,15 quilos de lixo por ano.
Essa estimativa abrange resíduos domiciliares, ou seja, não são levados em conta os rejeitos de segmentos como construção civil, industriais, de saúde, entre outros. A maior parte desse lixo é composta por matéria orgânica e por plásticos (PET, polietileno e polipropileno). “E os volumes estão aumentando”, afirma o executivo. De acordo com Girondi, a geração de resíduos cresce no Estado na ordem de 2,9% ao ano, o que se soma ao aumento da população, que é da ordem de 1,036% anualmente.
Apesar disso, o coordenador comercial da CRVR informa que o Estado tem um cenário mais favorável do que a média nacional. Enquanto no Brasil o percentual do volume de lixo tratado adequadamente é da ordem de 58%, no Rio Grande do Sul o patamar chega a 72%.
Assim como é preciso diminuir a geração de resíduos, os gaúchos precisam encontrar locais adequados para depositar os rejeitos. O consultor e professor de direito ambiental Beto Moesch diz que o Rio Grande do Sul possui ainda 92 lugares em que a destinação dos resíduos é inadequada.
A maioria desses locais não chega a ser lixão, mas também não se configuram como aterros sanitário - são os chamados aterros controlados (que não possuem tratamento do chorume - substância poluente - ou do impacto atmosférico). Segundo levantamento feito pelo Ministério Público Estadual, em agosto do ano passado, existiam apenas quatro lixões ainda em operação no Rio Grande do Sul, localizados nos municípios de Uruguaiana, Viamão, Ipiranga do Sul e São Gabriel/Santa Margarida do Sul. Conforme dados da Fepam, atualmente, somente Uruguaiana e Viamão ainda têm lixões dentro dos seus territórios.
Normas podem entrar em conflito com outras leis
A política de resíduos sólidos, no aspecto da responsabilidade compartilhada e da logística reversa, foi extremamente inovadora, mas não acarretou mudanças nas leis de responsabilidade fiscal e civil, de defesa do consumidor, de incentivos econômicos e financeiros, entre outras, argumenta a coordenadora do Ministério do Meio Ambiente, responsável pelos acordos setoriais, Zilda Velloso. “Ela não trouxe, a reboque, essas mudanças que seriam necessárias para dar uma plenitude maior à política de resíduos sólidos”, aponta.
Zilda destaca que a renúncia da propriedade do bem é algo que precisa ser solucionado dentro da logística reversa. Ela cita o exemplo hipotético de um cidadão que descarta um computador antigo, entrega no ponto de coleta e, uma semana após, percebe que esqueceu um arquivo no aparelho e volta para buscá-lo. No entanto, o equipamento já ingressou na cadeia de reciclagem. “Aí a pessoa pode entrar com um processo (na Justiça)”, ilustra a dirigente.
Sobre os acordos setoriais que são necessários dentro da política de resíduos, Zilda comenta que os contratos quanto às lâmpadas e embalagens de óleo lubrificantes já foram assinados. Já os que dizem respeito a embalagens em geral, eletroeletrônicos e medicamentos ainda precisam ser firmados. Os acordos são realizados entre o poder público e fabricantes, importadores, distribuidores ou comerciantes, tendo em vista a implantação da responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida do produto.
Zilda lembra que as medidas preveem metas quantitativas e de expansões geográficas. A integrante do Ministério do Meio Ambiente detalha que é uma estratégia em que se começa a implantar a estrutura de recolhimento primeiro nas capitais e grandes cidades. “Mas não se pode esperar que, em um ano, atinja-se os mais de 5,5 mil municípios brasileiros, nem em quatro anos eu acredito, mas, pelo menos, precisa começar com os maiores centros.”
A dirigente reforça que a política vai além da antiga postura em relação ao lixo, que era a de colocar o resíduo na porta da casa ou no contêiner. “Exige mais do que isso, exige que haja o retorno ao ciclo produtivo ou a um outro ciclo em que seja feita a reciclagem”, diz.